
Meia-noite. Noite de Setembro. Mais uma noite sem sono, de horas trocadas… dediquei-me ao cinema e vi um filme que há muito queria ver, mas não me tinha ainda disponibilizado para isso. Talvez porque soubesse que me iria afectar, deixar a pensar, que é coisa que gosto, mas nem sempre me apetece.
Dogville, de Lars von Trier.
Como esperava, não fiquei indiferente. É incrível o modo como ele nos confronta com uma realidade que nem sempre queremos ver: a essência do ser humano. E não é coisa boa, pois!!
Está incrivelmente bem feito, principalmente o argumento, que leva aos poucos ao conhecimento das personagens e à sua verdadeira essência. O final é delirante!
Bom, e com este filme, que mostra o lado negro dos homens, o modo como nos servimos e abusamos de quem se mostra mais frágil, lembrei-me de uma letra e música de Chico Buarque. Só o melhor compositor e escritor de canções do Brasil, (a meu ver, claro!)

Este Chico é de conhecer, é de procurar, ouvir as letras e cantar, assim como dançar ao som dos seus muitos sambas. As suas letras são de uma inteligência e sarcasmo, umas vezes doces, outras azedas. Mas sempre espectaculares!
Deixo-vos aqui a letra da música, que me recordou o filme Dogville. Para quem conhece o filme não deve ser difícil encontrar coincidências.
Para quem não viu, ficam as duas dicas: Dogville e Chico Buarque de Holanda. Nada em comum…mas afinal tudo…pois ambos tentam mostrar e compreender os comportamentos desta espécie, à qual todos pertencemos, mas que, ainda assim, nos deixa estupefactos.
Geni e o Zepelim
Chico Buarque/1977-1978
Para a peça Ópera do malandro, de Chico Buarque
De tudo que é nego torto
Do mangue e do cais do porto
Ela já foi namorada
O seu corpo é dos errantes
Dos cegos, dos retirantes
É de quem não tem mais nada
Dá-se assim desde menina
Na garagem, na cantina
Atrás do tanque, no mato
É a rainha dos detentos
Das loucas, dos lazarentos
Dos moleques do internato
E também vai amiúde
Co'os velhinhos sem saúde
E as viúvas sem porvir
Ela é um poço de bondade
E é por isso que a cidade
Vive sempre a repetir
Joga pedra na Geni
Joga pedra na Geni
Ela é feita pra apanhar
Ela é boa de cuspir
Ela dá pra qualquer um
Maldita Geni
Um dia surgiu, brilhante
Entre as nuvens, flutuante
Um enorme zepelim
Pairou sobre os edifícios
Abriu dois mil orifícios
Com dois mil canhões assim
A cidade apavorada
Se quedou paralisada
Pronta pra virar geléia
Mas do zepelim gigante
Desceu o seu comandante
Dizendo - Mudei de idéia
- Quando vi nesta cidade
- Tanto horror e iniqüidade
- Resolvi tudo explodir
- Mas posso evitar o drama
- Se aquela formosa dama
- Esta noite me servir
Essa dama era Geni
Mas não pode ser Geni
Ela é feita pra apanhar
Ela é boa de cuspir
Ela dá pra qualquer um
Maldita Geni
Mas de fato, logo ela
Tão coitada e tão singela
Cativara o forasteiro
O guerreiro tão vistoso
Tão temido e poderoso
Era dela, prisioneiro
Acontece que a donzela
- e isso era segredo dela
Também tinha seus caprichos
E a deitar com homem tão nobre
Tão cheirando a brilho e a cobre
Preferia amar com os bichos
Ao ouvir tal heresia
A cidade em romaria
Foi beijar a sua mão
O prefeito de joelhos
O bispo de olhos vermelhos
E o banqueiro com um milhão
Vai com ele, vai Geni
Vai com ele, vai Geni
Você pode nos salvar
Você vai nos redimir
Você dá pra qualquer um
Bendita Geni
Foram tantos os pedidos
Tão sinceros, tão sentidos
Que ela dominou seu asco
Nessa noite lancinante
Entregou-se a tal amante
Como quem dá-se ao carrasco
Ele fez tanta sujeira
Lambuzou-se a noite inteira
Até ficar saciado
E nem bem amanhecia
Partiu numa nuvem fria
Com seu zepelim prateado
Num suspiro aliviado
Ela se virou de lado
E tentou até sorrir
Mas logo raiou o dia
E a cidade em cantoria
Não deixou ela dormir
Joga pedra na Geni
Joga bosta na Geni
Ela é feita pra apanhar
Ela é boa de cuspir
Ela dá pra qualquer um
Maldita Geni
6 Comments:
Que sociedade tão perversa esta em que vivemos, não é?
Já calculava que não ficasses indiferente ao filme; a letra do Chico Buarque encaixa na perfeição...
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Pantera Cor-de-Rosa, at 7:38 da tarde
Agora, por canções, lembrei.me:
" Olhá menina D.Solidom
Como sabe escrever
Ponha a mão na pança D.Solidom
E toca a ler..."
Ao bicho homem não falta arte nem engenho, quer para os actos mais sórdidos, quer para os actos mais sublimes.
Sonhar com os sublimes, para enfrentar amanhã os sórdidos, pode ser uma táctica para um belo sono.
Beijos
Banana slug
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Anónimo, at 7:41 da tarde
Já tinha vontade de alugar o filme e agora vou mesmo. Beijinhos
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Carla Motah, at 8:52 da tarde
muito boa associação.o ser humano é mesmo assim, os fracos ou não sendo fracos, mas que estejam em "baixo",são aproveitados pelos devoradores.
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Anónimo, at 11:11 da tarde
Eu nunca vi o filme;passou há pouco tempo na televisão, mas eu só consegui apanhar o fim, e confesso que o achei estranho, bizarro... fiquei, contudo, com vontade de o ver.
Quanto à letra da música, tu tens a certeza que a Geni não é a Nicole Kidman? :)
Beijinhos
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Cotovia, at 11:02 da manhã
Como ainda não vi o filme não tenho muito para dizer... mas vou tentar alugá-lo e logo comento.
bicadas para todos
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Anónimo, at 12:04 da tarde
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